terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Simples sem coração...


Edgar Morin tem várias metáforas e anedotas. A que mais gosto,
no momento, é esta: o simples é uma simplificação de algo que é sempre muito complexo. Não há coisas simples, o que há são descrições simplificadas de relações sempre demasiado complexas.
Se para cada proposição jurídica fosse necessário fundamentar toda a história de justificativas formais e materiais, o direito não seria operacionalizável. A dogmática jurídica presta esta importante função social de redução dessa complexidade nas descrições das proposições jurídicas. Ela permite desconectar o argumento dos seus fundamentos sócio-histórico-psico-antropo-político-ecômico-moral-cultural etc. Ela economiza toda uma história de tensão entre razões práticas e puras em fórmulas simplificadas.Uma casa vazia com as luzes acesas, para lembrar a música dos Engenheiros.

O problema é que muito da dogmática é pura opinião. E o problema é mais grave se a gente considerar que são opiniões que não levam em consideração os contextos de significação social possíveis. São opiniões construídas apenas nível da sintaxe lingüística, quer dizer, opiniões baseadas somente nas relações formais entre elementos de sentido de um texto legal, relações formais internas ao próprio sistema de referência.

Pouca dogmática trabalha no nível da semântica. E acho que nenhuma trabalha no nível da pragmática. Assim a dogmática constrói um “cordão sanitário” – outra expressão de Edgar Morin – que isola a complexidade do acontecimento do direito dentro de uma forma simplificada de intelecção, diante da qual todo o resto passa a ser irrelevante, supérfluo, coisa de teórico.
Se você entende o que estou querendo dizer com esse depoimento, junte-se aos Dogmáticos Anônimos.
Se você não entendeu nada, então você tem mais razões ainda para se juntar a nós com urgência! Simples sem coração. Simples tampouco com razão. Simplesmente simples como um ato de fé que crê só porque dá mais trabalho não acreditar. Dogmática!

Rafael Lazzarotto Simioni – Dogmático Anônimo

8 comentários:

  1. Excelente iniciativa. Eu, como pobre (no sentido amplo da palavra) estagiário jurídico, imerso nos famosos "modelinhos" e nos famigerados Códigos Comentados, estava precisando de um tratamento adequado nas sinapses. A rotina de um escritório aniquila elas, somos jogados no mundo jurídico para versar sobre versões compactas de outros sistemas sem qualquer indagação mais profunda dos mesmos, apenas usando fórmulas de sucesso anteriores e contando prazos!

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  2. Muito bacana o blog de vocês!
    Sou irmã da Julia, que foi aluna do professor Guilherme em Sociologia neste último semestre da Unisinos. Preciso dizer que ela tem me encantado bastante com os assuntos jurídicos (e toda a enorme esfera na qual eles estão inseridos, e na qual eles têm influência).
    Assim, apesar de minha área de estudo ser bastante diferente (Biologia), acredito que nada me impede (na verdade, tudo me impulsiona) de seguir o blog de vocês e, quem sabe, conseguir entender melhor essa parafernalha (no melhor sentido da palavra, rs0) toda!

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  3. Que legal Natália!

    Valeu pela participação. O blog não é só pra juristas, muito pelo contrário, a discussão fica ainda melhor quando é construída com outros olhos...
    Tu serás sempre bem vinda.

    Guilherme - Dogmático Anônimo

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  4. BÁRBAREERERERE!!! Parabéns pelo sitio,sem bajulação. Mas hesitei em um trecho desta obra," Como assim pouca dogmática trabalha no nivel da semântica, e nenhuma trabalha no pragmático??? Vale ressaltar que ainda estou em um nivél propedeutico.

    Tiago Ab santos

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  5. Sintaxe, semântica e pragmática. São os níveis lógicos da linguagem de Carnap. A sintaxe pergunta pelas relações lógicas entre os símbolos lingüísticos; a semântica pela relação entre a linguagem e o mundo (o problema da correspondência entre uma proposição lingüística e a realidade do mundo); e a pragmática pela questão dos efeitos práticos produzidos ou desencadeados pela linguagem.
    Seguindo uma sugestão de Leonel Severo Rocha, nós podemos investigar o direito tanto no nível analítico-sintático, que pergunta sobre a correção lógico-formal dos procedimentos decisórios, quanto no nível hermenêutico-semântico, que pergunta pela coerência material da decisão em relação às exigências sociais externas, como são as exigências morais, éticas, religiosas, culturais e também as exigências políticas de democracia e constitucionalismo – e tudo isso relacionado com a inafastável consideração do aspecto histórico-lingüístico da constituição de todas essas exigências. Mas também se pode desenvolver esse programa de investigação científica no nível pragmático-sistêmico, que pergunta não apenas pelas exigências de coerência lógica ou material entre a decisão e a própria dinâmica da sociedade como um todo, mas que pergunta também pelo como as próprias respostas dos demais níveis são construídas diante da necessidade, muitas vezes, de superação criativa de paradoxos no campo das decisões jurídicas.
    A dogmática trabalha predominantemente no primeiro nível, no nível analítico-sintático.

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  6. Quer dizer então que,Com esses novos paradigmas das decisões jurídicas pode se dizer que a dogmática malogrou perante os arestos das cortes supremas em adotar novos principios para com a sociedade??.

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  7. Não porque não há uma relação de competição histórica entre jurisprudência e dogmática. Os níveis de significação são diferentes.

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  8. Pensando bem, Tiago, talvez não seja exagerado afirmar que hoje, a dogmática jurídica no Brasil apresenta um grau bastante elevado de submissão à jurisprudência. Tanto que nós podemos ler em vários manuais de direito que determinada interpretação da lei é correta porque assim decidiu o Tribunal tal. O uso de argumentos de autoridade jurisdicional é tão inadequado diante das exigências do Estado Democrático de Direito quanto o uso de argumentos de autoridade científica. Essa é uma situação preocupante. E merece uma investigação. Por que a dogmática jurídica se submete assim, sem nenhuma crítica, às decisões dos Tribunais? Será que isso tem a ver com o mercado editorial dos concursos públicos? Ou será que a dogmática perdeu a coragem de criticar e apontar os erros e descaminhos da jurisprudência. E não podemos desconsiderar uma terceira hipótese: será que a dogmática está tão, como posso dizer, limitada, que já não consegue mais nem entender, tampouco criticar as práticas jurídicas? Como dizia Pontes de Miranda, os Tribunais muitas vezes erram na interpretação das leis e é tarefa da doutrina corrigir esses erros. De qualquer modo, o fato é que nós podemos observar uma preocupante falta de integridade na jurisprudência brasileira. As decisões que começam com o "eu entendo que..." denunciam a falta de compromisso com a coerência do "nós entendemos que...", do "nós, enquanto membros de uma instituição que possui o compromisso de realizar um projeto político comum, entendemos que..." A impressão que dá é que estamos diante do movimento do Direito Livre do início do Século XX, no qual eu posso decidir conforme "minha" consciência. E soma-se a isso o pragmatismo instrumental (dogmático, claro), que transformou a jurisdição em uma administração de interesses. Saudades da dogmática de Pontes de Miranda.

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