Caros leitores,
Este pequeno espaço, que se apresenta na tela do computador de vocês, destina-se a estimular uma observação (talvez num processo autocrítico) da produção do Direito. Com especial interesse pela denominada “Dogmática Jurídica”.
O ponto de discussão se refere a dificuldade de se construir um caminho entre a cegueira de um Direito pensado pro aluno "concurseiro", que oculta a violenta redução de complexidade que está atrás daquilo que ele decorou, e o oportunismo de um certo “pensamento crítico do Direito”.
Queremos propor um debate (com base em muita ironia e sarcasmo...) que trilhe entre as duas linhas; riscar uma distinção, entre a alienação técnico-formalista dos manuais, e a crítica fácil...ou seja, tentaremos ser vacinados também contra o proselitismo messiânico, demagógico, de algumas ditas "Escolas Críticas do Direito"
Para tanto, optamos por esta forma mais reflexiva, batizada de "Dogmáticos Anônimos". Isto é, nós criticamos a dogmática fazendo dogmática, de certa forma. Inútil, como toda ideia boa...
Guilherme de Azevedo – Dogmático Anônimo
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Estou há cinco dias sem ler livros que começam com “Manual de...”
Não é fácil se livrar do pensamento dogmático no direito. No início a gente quer aprender como funciona determinada matéria. Depois, sem se dar por conta, nós já estamos reproduzindo e fundamentando proposições normativas como se elas não fossem contingentes. No início a dogmática nos dá muita segurança. Ficamos seguros de nossos argumentos. Ficamos até arrogantes, confiantes demais. Sabemos as linhas de argumentação convencionais. Sabemos os requisitos de validade dos atos jurídicos. Enchemos a boca para afirmar que a natureza jurídica de determinado instituto é esta e não aquela. Depois a gente se dá conta de como somos ridículos e de como ficamos alucinados com aquelas afirmações simplistas e desconectadas de toda complexidade que transborda das relações sociais.
Luhmann já tinha dito que a dogmática jurídica é uma consolidação semântica das premissas da decisão jurídica, que torna inquestionável esses pontos de partida, mas nós não o levamos à sério: coisa de teórico. Tércio Sampaio Ferraz Jr. também alertou que a dogmática simplifica as exigências de justificação das decisões, mas nós também não o levamos muito à sério: coisa de teórico. Luiz Alberto Warat também disse que a dogmática é uma reprodução do senso comum teórico dos juristas, e nós também não demos muita importância para isso: coisa de teórico.
Hoje a dogmática é pior do que era. Antes, pelo menos, a dogmática estava preocupada em facilitar a prática do direito. Facilitava a justificação das decisões jurídicas. Economia de consenso! Hoje a dogmática parece ser escrita para quem quer fazer concurso público. Para quem não pode estudar muito. A boa dogmática, hoje, é a que produz efeito mais rápido: mais eficiência intelectiva. Economia de sinapse! Saber só o que precisa ser sabido para assinalar corretamente aquelas alternativas de concurso público.
Os quadros sinóticos e as esquematizações são tão sedutores quanto a sensação de confiança no conhecimento que eles produzem. É isso e ponto. Não se discute mais. E quando surge alguma questão pelo fundamento da afirmação dogmática – se é que ela surge! –, então logo vem o argumento de autoridade: mas é fulano de tal, da universidade tal, que diz isso. E se ele diz, é porque é. Dogmática!
Há cinco dias sem abrir um manual de direito ou um curso de direito tal vejo o quão difícil é se livrar da dogmática. Porque apesar dela fazer nos passar por ridículo, apesar dela assegurar a nossa douta ignorância e apesar também da dogmática justificar a nossa arrogância intelectual, nós não podemos simplesmente parar de consumi-la. Se a gente pára com ela, a gente fica excluído do nosso grupo de amigos juristas. Nossos amigos dogmáticos começam a dizer que somos teóricos, que não sabemos resolver os problemas da prática e que não entendem mais o que estamos falando. Ficamos incompreendidos. E então acabamos recaindo na dogmática.
Se a dogmática jurídica for um vício do pensamento simplista criado pelos glosadores do direito romano, então se trata de uma questão difícil. Pois não basta simplesmente parar com ela. Temos que apreender a conviver com ela, sem se deixar dogmatizar por ela. Porque ano que vem reiniciam as aulas e já tem mais um monte de dogmática esperando para ser reproduzida. Mas não me venham mais com argumento de autoridade.
Depoimento de 6 de dezembro de 2009.
Rafael Lazzarotto Simioni – Dogmático Anônimo
domingo, 6 de dezembro de 2009
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Muito bom!
ResponderExcluirPosso me considerar também um "D.A.".
Caro Rafael,
ResponderExcluirParabéns pelo blog. Gostei.
Tenho certeza que o blog vai funcionar como resistência à redução do ensino e da aprendizagem à reprodução mecânica e automática de conceitos dogmáticos.
Não apenas isso, vai também funcionar como uma denúncia à falsa e ilusória segurança, arrogância e confiança, as quais negam contingência, a historicidade e a complexidade.
Gostei do pensamento sobre a redução da dogmática aos exames seletivos dos concursos públicos. Certamente se trata de uma economia de sinapse, isto é, uma ausência de questinamento sobre os fundamentos do direito e seus institutos.
O blog vai funcionar como um espaço de desabafo, para que possamos conviver com a dogmática, mas sem se deixar dogmatizar.
Seja bem vindo ao mundo dos blogueiros...
Abraço,
Fabrício Zanin.
Bom, parabéns pela iniciativa, esta é a prova de ainda existe atitude no mundo teórico (hein?). Vida longa ao blog, já que muitos morrem com poucos meses de vida.
ResponderExcluirABRAÇO
Hiperdosado
Queridos amigos!
ResponderExcluirContem comigo!
Bjs
Fernanda
Guilherme e Rafael,
ResponderExcluirCumprimento vocês pela boa iniciativa de criar um espaço para discussões acadêmicas, lúdicas e porque não de desabafo deste cenário jurídico dominado pelos dogmatas de plantão? Dizer um não ao senso comum teórico dos juristas (como bem escreveu Warat) exige um trabalho de fôlego e criatividade, pois não é fácil sensibilizar pessoas, quiçá quando se fala em paradigmas estabelecidos desde há muito pelos juristas.
Como colega e seguidora do mesmo movimento dos criadores, parabenizo vocês pelo blog, desejando muitos posts e discussões interessantes.
Abraço
Ana Paula Atz
Eis uma luz no fim do túnel...
ResponderExcluirParabéns,
George Marmelstein
Bacana professor! Gostei da abordagem paradoxal dada ao tema. Não resta dúvida de que economia de sinapse deve ser realmente abolida em nosso dia a dia.
ResponderExcluirSem dúvida, a problemática da dogmática jurídica constitui um dos problemas que podem colocar em cheque os fundamentos do status quo assegurado pelo próprio objeto da dogmática jurídica, ou seja, o direito posto e vigente num dado país. Sendo assim, é interessante nós discutirmos esse momento de questionamento sobre os seus pressupostos, usando como ferramenta a filosofia do direito, e procurando adentrar mais especificamente no universo da epistemologia jurídica.
ResponderExcluirAproveito a ocasião para reiterar a admiração e respeito que tenho pelo trabalho de vocês!