segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Algorithmics dialogues and dialogic algorithms

Colocamos esse título em inglês só para parecer mais importante do que é. O inglês mantém uma misteriosa ambigüidade: não permite saber se o algoritmo dialoga ou se ele é dialogado. Igual ao “observing systems” do Heinz Von Foerster.
Igual aos “demônios” de Maxwell (não se assustem com esses demônios. Embora não sejam inofensivos, eles só assombram o estilo causal-explicativo de análise científica).
Esse texto vai ser uma jogada simples. Queremos simular um diálogo sobre a passagem do neopositivismo lógico para o assim chamado pós-positivismo no direito. Mas queremos fazer isso na forma de um algoritmo (risos). Pode ser? Então vamos lá, acompanhem o programa condicional até o bug “pós-positivista” no final:
Estagiário:
- Doutor, posso lhe fazer uma pergunta? Como o senhor faz para ganhar uma ação na justiça?
Doutor:
- Ora, parece difícil, mas com a prática a gente aprende que o importante mesmo é saber qual a norma jurídica adequada para o caso, qual o procedimento judicial correto, qual o argumento convencional e qual é a prova adequada.
Estagiário:
- Tá, mas, e se a norma adequada para o caso não for justa? E se ainda que eficaz, a norma aplicável não for sequer adequada para dirimir a controvérsia sobre os fatos? E a questão do significado do conceito da lei? E a questão dos princípios?
Doutor:
- Essas perguntas são importantes sim, mas são questões teóricas, são controvérsias conceituais. Veja que tu me perguntou como faço para ganhar uma ação na justiça. Para isso é suficiente saber resolver as questões técnicas: a norma adequada, o procedimento correto, o argumento convencional e a prova adequada. Essas questões de justiça são problemas teóricos, são problemas para os doutrinadores do direito, não para nós.
Estagiário:
- Então, em resumo, para ganhar uma ação a gente tem que seguir as regras.
Doutor:
- Sim, exatamente.
Estagiário:
- E quando essas regras apresentam contradições? A gente deve seguir quais regras?

Doutor:
- Ora, é normal que um sistema de signos lingüísticos como o direito possua contradições. Em abstrato pode até não haver nenhuma contradição lógica, mas diante de um caso concreto, então às vezes aparecem contradições. Quando isso acontece, nós chamamos o caso de caso difícil. Bom, nesses casos, as regras que devem ser seguidas são as mesmas normas estabelecidas positivamente, porque senão a decisão já não é mais jurídica, vai ser uma decisão moral, econômica, política, sei lá. E antes que tu perguntes como resolver a contradição entre as regras, vou já te respondendo: a gente usa argumentos suplementares. Argumentos que suplementam a contradição.

Estagiário:
- Que argumentos são esses? São os princípios? As opções políticas do Estado? A consciência moral da comunidade? O volksgeist do velho Savigny? A promoção da vida plena como finalidade do direito em Jhering?
Doutor:
- Mais ou menos. Os princípios são os argumentos que mais utilizamos nesses casos difíceis. Mas na prática, as decisões sofrem também influências políticas, econômicas. E isso é normal, porque, pensa, um juiz que é filho de fazendeiro jamais julgará uma ação de reintegração de posse do mesmo modo que um juiz filho de camponeses, entende? Não há como blindar a decisão jurídica dessas influências políticas, morais, econômicas e culturais. Essa é a questão. Um grupo de professores dos EUA estudou muito isso e concluiu que não dá. É assim mesmo.
Estagiário:
- Mas então essas são as regras? São essas as regras que devem ser seguidas nos casos difíceis?
Doutor:
- Não, claro que não. Quer dizer, não são essas as regras que devem ser seguidas, mas é o que acontece. Por isso que tantos juristas importantes do mundo inteiro estão trabalhando nisso. Nesses casos difíceis, não dá para seguir essas regras, temos que seguir outras coisas, não sei, talvez os objetivos do processo como um valor de orientação, ou talvez pensar nos efeitos colaterais da decisão, ou talvez, quem sabe, fundamentar uma moral corretiva do direito ou um procedimento de discussão democrática para decisões sobre casos difíceis... Não sei...
Estagiário:
- Não sabe!?
Doutor:
- Tá, tem também a ponderação. A razoabilidade, a proporcionalidade.
Estagiário:
- E isso funciona?
Doutor:
- Afinal, tu quer saber como ganhar uma ação ou como destruir o neopositivismo jurídico!?
Estagiário:
- Desculpa. Só perguntei.

Doutor:
- Tá. Às vezes funciona, quer dizer, funciona, mas é só um recurso metodológico para assimetrizar paradoxos, igual àquele dos conjuntos da matemática de Bertrand Russell. A ponderação possibilita a decisão. Mas se é correta ou não, isso é outra história. É um argumento. É contingente. Antes havia a ponderação de interesses, depois a de valores, agora a de bens, princípios. Amanhã sabe-se lá o que vai ser ponderado. Sabe-se lá se a própria ponderação não devia ser ela mesma ponderada.
Estagiário:
- Isso não me parece ser democrático. Aliás, parece que o problema já não é mais de validade do direito, mas sim de legitimidade. Antes a preocupação do direito era justificar decisões corretas do ponto de vista lógico, do ponto de vista formal. Agora a preocupação é justificar decisões corretas do ponto de vista material, do ponto de vista dos ideais de justiça. Só agora o direito está procurando um equilíbrio entre a razão prática e a razão teórica. Talvez isso seja uma exigência da própria concepção de Estado Democrático de Direito. O que o senhor acha?

Doutor:
- Acho que o neopositivismo lógico deu o que tinha pra dar. Mas não vemos uma saída ainda, capaz de satisfazer as exigências de segurança, previsibilidade e ao mesmo tempo adaptação às sempre novas situações da prática. Acho que ainda estamos presos à distinção entre razão prática e razão teórica do Kant, que já vem lá de Aristóteles. Vamos pensar nisso.
Estagiário:
- Isso tem a ver com a political morality daqueles norte-americanos? Ou com os procedimentos discursivos racionais daqueles alemães?
Doutor:
- De certo modo sim. São tentativas teóricas de uma fundamentação pós-metafísica das decisões jurídicas.
Estagiário:
- Só mais uma pergunta. Para eu pensar nisso eu preciso ser pós-positivista?

Doutor:
- Não, não. Pós-positivismo é só um nome que está na moda. Tem alguns pós-positivistas que nem chegaram ainda ao neopositivismo lógico de Kelsen. Tem pós-positivista que ainda é glosador. Não se preocupe com esse nome. É só um sinal para criar uma identidade que ao mesmo tempo a diferencia do restante.
Estagiário:
- Como a pós-modernidade?
Doutor:
- Sim.
Estagiário:
- Posso fazer mais uma pergunta?
Doutor:
- Não, o algoritmo acaba aqui. Se tu quiseres, começa de novo. Se tu quiseres, começa outro.
Estagiário:
- Ah, entendi, isso é a pós-modernidade.
Rafael Lazzarotto Simioni – Dogmático Anônimo

4 comentários:

  1. Prezados Senhores Anônimos (ou nem tanto),
    Gostaria de parabenizá-los pela forma como foi construído o texto e, ao mesmo tempo, pedir-lhes permissão para utilizá-lo em minhas aulas de Introdução ao Estudo do Direito (que abordo as construções "cientificas" do direito na "modernidade".
    Abraços
    Márcio de Souza Bernardes

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Realmente, lembra o Mundo de Sofia.
    No Brasil nada disso que consta no diálogo é problema. Porque no Brasil se decide "de acordo com a consciência", e positivista é quem "aplica a letra fria da lei". O resto é sopa de letrinha.
    Muito bom o blog!
    Parabéns.

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