sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Adeus Warat !!!
sábado, 10 de abril de 2010
O melhor direito possível
Vou confessar uma coisa. Semana passada, na aula de direitos das obrigações, fiz um teste interessante com a turma. Usei a idéia das convicções de political morality do Dworkin para realizar uma construção hermenêutica das soluções jurídicas para um problema especial, conhecido entre os civilistas, da escolha nas obrigações alternativas quando ocorre: a) valorização de uma prestação e manutenção do preço da outra; b) valorização de ambas as prestações; c) desvalorização de uma e manutenção do preço da outra; d) desvalorização de ambas; e e) valorização de uma e desvalorização da outra. Como sabemos, não há uma resposta clara do direito positivo para essas questões. E as doutrinas divergem bastante, tanto que alguns doutrinadores sequer entram nesse assunto.
Claro que existem mais variáveis empíricas importantes, como a questão da escolha ser do credor ou do devedor, além da questão da valorização ou desvalorização ocorrer antes ou depois da escolha/concentração e antes ou depois da tradição/entrega da prestação. Mas isso não vem ao caso agora. Quero apenas demonstrar o teste e as conclusões que tirei dessa experiência.
Fiz o seguinte exercício de reflexão com os alunos: já que não há regras claras sobre essa questão, procurei desenvolver com os alunos uma hermenêutica construtiva no estilo de Dworkin. Coloquei todas as variáveis empíricas no quadro e apelei para as convicções pessoais de moralidade “pessoal” dos alunos para ver se nós encontrávamos uma moralidade política capaz de justificar as interpretações construtivas que estávamos fazendo a respeito das soluções.
Como sabemos, a interpretação de Dworkin procura encontrar aquela interpretação que revela o direito do modo mais adequado (ajustado às práticas) e também mais justificado (justificante das nossas práticas). Esse juízo de adequação e justificação, contudo, não é simples como uma dedução lógica ou analógica do “espírito” do direito civil brasileiro, já que não se tratam de questões de correção semântica e sim de questões de coerência tanto em relação às nossas convicções de moral particular quanto às convicções de moralidade política de uma comunidade de princípios, considerando também as tradições autênticas (aqui fica boa a metáfora da decisão como um capítulo, e não um começo, da história do projeto político da comunidade) e especialmente a necessidade de justificar essa interpretação como a mais adequada do ponto de vista da integridade com as virtudes da equidade do sistema político, da justiça na distribuição das oportunidades e do devido processo legal.
Claro que não falei do Dworkin, afinal era uma aula de direito civil, mas ao apelar para as convicções de moral particular dos alunos, para ver se encontrávamos princípios de moralidade política maiores, para confrontá-los e usá-los no caso, eu falei de equidade, justiça e de integridade da solução. Só isso.
Para a construção de nossa base de referência, no caso, chegamos juntos (sim, juntos!) à conclusão de que um princípio importantíssimo de moral política no caso seria a liberdade de escolha da prestação alternativa, que não poderia ser suprimida a nenhum pretexto pragmático de orientação às conseqüências, de eficiência econômica, de políticas públicas ou qualquer outro tipo de exigência sistêmica. Outro princípio que logo veio à tona foi o do equilíbrio da relação obrigacional, que também é igualmente importante e não pode ser desprezado. Sem precisar ponderar – para justificar o afastamento do princípio que fica travando a solução, como recomendaria Alexy e sua turma (tá, desculpa, fui injustamente irônico agora) –, nós conseguimos construir soluções coerentes tanto com o princípio da liberdade contratual quanto com o do equilíbrio na relação contratual: garantimos o direito de escolher as prestações alternativas tanto para o credor quanto para o devedor (na tradição do pacta sunt servanda), ao mesmo tempo em que garantimos o direito de nenhum deles ser surpreendido com um desequilíbrio superveniente da relação obrigacional (na tradição dorebus sic stantibus).
Mas com isso nós cumprimos só a primeira dimensão da interpretação do juiz Hércules – a da adequação –, faltava testar se as soluções justificavam as práticas recomendadas por essa interpretação. E essa justificação foi possível com base na própria integridade das soluções entre as perspectivas do credor e do devedor e entre elas e os princípios da liberdade e do equilíbrio da relação obrigacional.
Querem saber? Foi interessante o teste. Realmente a turma fica com a convicção de que as soluções que nós construímos são as mais adequadas e justificadas (as únicas corretas!), apesar da obscuridade da lei a respeito. E apesar também das divergências doutrinárias e, principalmente, apesar das divergências no nível das convicções pessoais de cada um dos alunos. E mais: do ponto de vista da prática pedagógica, um assunto que, convenhamos, é chatíssimo no âmbito da dogmática, tornou-se muito agradável, interessante e importante. Exatamente como Dworkin justifica a interpretação correta, em analogia à interpretação literária, como aquela que revela o que o direito tem de melhor, o seu melhor valor, a sua melhor virtude.
Depois desse teste prático-acadêmico interessante, convenci-me: taking Dworkin seriously. Em sua homenagem, quero lembrar uma de suas frases geniais que está no final do Law’s Empire: “O império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo”.
Outro dia eu conto experiências com Luhmann, Habermas e alguns pós-estruturalistas franceses que eu gosto. Já adianto que nem todas foram interessantes. Mas afinal, por que compartilhar só as boas? A melhor interpretação das nossas práticas pode ser também aquela que revela exatamente o que elas têm de pior – porque também Dworkin não escapa do paradoxo de que é a pior interpretação que justifica a outra: a melhor.
Rafael Simioni - Dogmático Anônimo
quarta-feira, 10 de março de 2010
Das Cotas, a nossa "cota" de discussão.
Caros leitores (Dogmáticos Anônimos ou não...!)
Após um período de hibernação intelectual e física, retornamos aos costumes!
O nosso pequeno espaço de discussão volta a ser atualizado e, como não poderia deixar de ser, volta provocando o nosso lado “Dogmático Anônimo”, com o principal tema que gravita na pauta comunicacional do Brasil: a “legitimidade-legalidade-cientificidade-moralidade-eficiência...” do(s) sistema(s) de cotas baseado na distinção racial.
Como todo tema relevante, não pode ser tratado como fomento argumentativo para uma única postagem no blog. Portanto, sugiro apenas abrirmos os trabalhos com o vídeo abaixo, que selecionei no youtube:
Observei como relevante o vídeo a partir de um critério mais sociológico, no sentido de ele fornecer um “start” para a complexidade do tema. Temos três falas nele, que pautam a sua argumentação em sentidos diferentes.
A primeira é de uma advogada, que “produz” a sua comunicação tentando acentuar programações jurídicas, ou seja, privilegia uma leitura do tema tentando se trajar sob o aspecto de uma operacionalidade do sentido jurídico (não estou dizendo que a fala dela é a única possível a partir do sistema jurídico, nem que eu concordo ou não concordo com ela, apenas ressalto que, sociologicamente, a sua produção de sentido busca privilegiar o campo jurídico como distinção para poder observar.)
Num segundo momento, ocorre a fala do Senador Paim, que por motivos óbvios, observa o tema como fartas referências políticas, apoiando-se em estruturas de sentido conectadas mais com o apelo popular, com ferramentas típicas da dominação do campo político. E possível identificar na fala dele diversas universalizações e reduções de complexidade do tema para, principalmente, poder conferir através de um consenso artificial (artificial num sentido de suposto) a institucionalidade necessária para ocorrência uma tomada de decisão.
E, por último, a fala de um cientista, que posiciona o seu ângulo de construção do tema com a tradicional pretensão informativa/descritiva da ciência.
Ou seja, lembrando um pouco do Capra (vulgo “Paulo Coelho” da Teoria dos Sistemas) em Ponto de Mutação, iniciamos a discussão com três formas de observar a questão...
Abs
Guilherme de Azevedo – Dogmático Anônimo
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Algorithmics dialogues and dialogic algorithms
Esse texto vai ser uma jogada simples. Queremos simular um diálogo sobre a passagem do neopositivismo lógico para o assim chamado pós-positivismo no direito. Mas queremos fazer isso na forma de um algoritmo (risos). Pode ser? Então vamos lá, acompanhem o programa condicional até o bug “pós-positivista” no final:
- Doutor, posso lhe fazer uma pergunta? Como o senhor faz para ganhar uma ação na justiça?
- Ora, parece difícil, mas com a prática a gente aprende que o importante mesmo é saber qual a norma jurídica adequada para o caso, qual o procedimento judicial correto, qual o argumento convencional e qual é a prova adequada.
- Tá, mas, e se a norma adequada para o caso não for justa? E se ainda que eficaz, a norma aplicável não for sequer adequada para dirimir a controvérsia sobre os fatos? E a questão do significado do conceito da lei? E a questão dos princípios?
- Essas perguntas são importantes sim, mas são questões teóricas, são controvérsias conceituais. Veja que tu me perguntou como faço para ganhar uma ação na justiça. Para isso é suficiente saber resolver as questões técnicas: a norma adequada, o procedimento correto, o argumento convencional e a prova adequada. Essas questões de justiça são problemas teóricos, são problemas para os doutrinadores do direito, não para nós.
- Então, em resumo, para ganhar uma ação a gente tem que seguir as regras.
- Sim, exatamente.
- E quando essas regras apresentam contradições? A gente deve seguir quais regras?
- Ora, é normal que um sistema de signos lingüísticos como o direito possua contradições. Em abstrato pode até não haver nenhuma contradição lógica, mas diante de um caso concreto, então às vezes aparecem contradições. Quando isso acontece, nós chamamos o caso de caso difícil. Bom, nesses casos, as regras que devem ser seguidas são as mesmas normas estabelecidas positivamente, porque senão a decisão já não é mais jurídica, vai ser uma decisão moral, econômica, política, sei lá. E antes que tu perguntes como resolver a contradição entre as regras, vou já te respondendo: a gente usa argumentos suplementares. Argumentos que suplementam a contradição.
- Que argumentos são esses? São os princípios? As opções políticas do Estado? A consciência moral da comunidade? O volksgeist do velho Savigny? A promoção da vida plena como finalidade do direito em Jhering?
- Mais ou menos. Os princípios são os argumentos que mais utilizamos nesses casos difíceis. Mas na prática, as decisões sofrem também influências políticas, econômicas. E isso é normal, porque, pensa, um juiz que é filho de fazendeiro jamais julgará uma ação de reintegração de posse do mesmo modo que um juiz filho de camponeses, entende? Não há como blindar a decisão jurídica dessas influências políticas, morais, econômicas e culturais. Essa é a questão. Um grupo de professores dos EUA estudou muito isso e concluiu que não dá. É assim mesmo.
- Mas então essas são as regras? São essas as regras que devem ser seguidas nos casos difíceis?
- Não, claro que não. Quer dizer, não são essas as regras que devem ser seguidas, mas é o que acontece. Por isso que tantos juristas importantes do mundo inteiro estão trabalhando nisso. Nesses casos difíceis, não dá para seguir essas regras, temos que seguir outras coisas, não sei, talvez os objetivos do processo como um valor de orientação, ou talvez pensar nos efeitos colaterais da decisão, ou talvez, quem sabe, fundamentar uma moral corretiva do direito ou um procedimento de discussão democrática para decisões sobre casos difíceis... Não sei...
- Não sabe!?
- Tá, tem também a ponderação. A razoabilidade, a proporcionalidade.
- E isso funciona?
- Afinal, tu quer saber como ganhar uma ação ou como destruir o neopositivismo jurídico!?
- Desculpa. Só perguntei.
Doutor:
- Tá. Às vezes funciona, quer dizer, funciona, mas é só um recurso metodológico para assimetrizar paradoxos, igual àquele dos conjuntos da matemática de Bertrand Russell. A ponderação possibilita a decisão. Mas se é correta ou não, isso é outra história. É um argumento. É contingente. Antes havia a ponderação de interesses, depois a de valores, agora a de bens, princípios. Amanhã sabe-se lá o que vai ser ponderado. Sabe-se lá se a própria ponderação não devia ser ela mesma ponderada.
- Isso não me parece ser democrático. Aliás, parece que o problema já não é mais de validade do direito, mas sim de legitimidade. Antes a preocupação do direito era justificar decisões corretas do ponto de vista lógico, do ponto de vista formal. Agora a preocupação é justificar decisões corretas do ponto de vista material, do ponto de vista dos ideais de justiça. Só agora o direito está procurando um equilíbrio entre a razão prática e a razão teórica. Talvez isso seja uma exigência da própria concepção de Estado Democrático de Direito. O que o senhor acha?
- Acho que o neopositivismo lógico deu o que tinha pra dar. Mas não vemos uma saída ainda, capaz de satisfazer as exigências de segurança, previsibilidade e ao mesmo tempo adaptação às sempre novas situações da prática. Acho que ainda estamos presos à distinção entre razão prática e razão teórica do Kant, que já vem lá de Aristóteles. Vamos pensar nisso.
- Isso tem a ver com a political morality daqueles norte-americanos? Ou com os procedimentos discursivos racionais daqueles alemães?
- De certo modo sim. São tentativas teóricas de uma fundamentação pós-metafísica das decisões jurídicas.
- Só mais uma pergunta. Para eu pensar nisso eu preciso ser pós-positivista?
Doutor:
- Não, não. Pós-positivismo é só um nome que está na moda. Tem alguns pós-positivistas que nem chegaram ainda ao neopositivismo lógico de Kelsen. Tem pós-positivista que ainda é glosador. Não se preocupe com esse nome. É só um sinal para criar uma identidade que ao mesmo tempo a diferencia do restante.
- Como a pós-modernidade?
- Sim.
Estagiário:
- Posso fazer mais uma pergunta?
- Não, o algoritmo acaba aqui. Se tu quiseres, começa de novo. Se tu quiseres, começa outro.
- Ah, entendi, isso é a pós-modernidade.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Simples sem coração...
Se para cada proposição jurídica fosse necessário fundamentar toda a história de justificativas formais e materiais, o direito não seria operacionalizável. A dogmática jurídica presta esta importante função social de redução dessa complexidade nas descrições das proposições jurídicas. Ela permite desconectar o argumento dos seus fundamentos sócio-histórico-psico-antropo-político-ecômico-moral-cultural etc. Ela economiza toda uma história de tensão entre razões práticas e puras em fórmulas simplificadas.Uma casa vazia com as luzes acesas, para lembrar a música dos Engenheiros.
O problema é que muito da dogmática é pura opinião. E o problema é mais grave se a gente considerar que são opiniões que não levam em consideração os contextos de significação social possíveis. São opiniões construídas apenas nível da sintaxe lingüística, quer dizer, opiniões baseadas somente nas relações formais entre elementos de sentido de um texto legal, relações formais internas ao próprio sistema de referência.
Pouca dogmática trabalha no nível da semântica. E acho que nenhuma trabalha no nível da pragmática. Assim a dogmática constrói um “cordão sanitário” – outra expressão de Edgar Morin – que isola a complexidade do acontecimento do direito dentro de uma forma simplificada de intelecção, diante da qual todo o resto passa a ser irrelevante, supérfluo, coisa de teórico.
Rafael Lazzarotto Simioni – Dogmático Anônimo
domingo, 6 de dezembro de 2009
Uma forma: "Dogmáticos Anônimos"
Este pequeno espaço, que se apresenta na tela do computador de vocês, destina-se a estimular uma observação (talvez num processo autocrítico) da produção do Direito. Com especial interesse pela denominada “Dogmática Jurídica”.
O ponto de discussão se refere a dificuldade de se construir um caminho entre a cegueira de um Direito pensado pro aluno "concurseiro", que oculta a violenta redução de complexidade que está atrás daquilo que ele decorou, e o oportunismo de um certo “pensamento crítico do Direito”.
Queremos propor um debate (com base em muita ironia e sarcasmo...) que trilhe entre as duas linhas; riscar uma distinção, entre a alienação técnico-formalista dos manuais, e a crítica fácil...ou seja, tentaremos ser vacinados também contra o proselitismo messiânico, demagógico, de algumas ditas "Escolas Críticas do Direito"
Para tanto, optamos por esta forma mais reflexiva, batizada de "Dogmáticos Anônimos". Isto é, nós criticamos a dogmática fazendo dogmática, de certa forma. Inútil, como toda ideia boa...
Guilherme de Azevedo – Dogmático Anônimo
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Estou há cinco dias sem ler livros que começam com “Manual de...”
Não é fácil se livrar do pensamento dogmático no direito. No início a gente quer aprender como funciona determinada matéria. Depois, sem se dar por conta, nós já estamos reproduzindo e fundamentando proposições normativas como se elas não fossem contingentes. No início a dogmática nos dá muita segurança. Ficamos seguros de nossos argumentos. Ficamos até arrogantes, confiantes demais. Sabemos as linhas de argumentação convencionais. Sabemos os requisitos de validade dos atos jurídicos. Enchemos a boca para afirmar que a natureza jurídica de determinado instituto é esta e não aquela. Depois a gente se dá conta de como somos ridículos e de como ficamos alucinados com aquelas afirmações simplistas e desconectadas de toda complexidade que transborda das relações sociais.
Luhmann já tinha dito que a dogmática jurídica é uma consolidação semântica das premissas da decisão jurídica, que torna inquestionável esses pontos de partida, mas nós não o levamos à sério: coisa de teórico. Tércio Sampaio Ferraz Jr. também alertou que a dogmática simplifica as exigências de justificação das decisões, mas nós também não o levamos muito à sério: coisa de teórico. Luiz Alberto Warat também disse que a dogmática é uma reprodução do senso comum teórico dos juristas, e nós também não demos muita importância para isso: coisa de teórico.
Hoje a dogmática é pior do que era. Antes, pelo menos, a dogmática estava preocupada em facilitar a prática do direito. Facilitava a justificação das decisões jurídicas. Economia de consenso! Hoje a dogmática parece ser escrita para quem quer fazer concurso público. Para quem não pode estudar muito. A boa dogmática, hoje, é a que produz efeito mais rápido: mais eficiência intelectiva. Economia de sinapse! Saber só o que precisa ser sabido para assinalar corretamente aquelas alternativas de concurso público.
Os quadros sinóticos e as esquematizações são tão sedutores quanto a sensação de confiança no conhecimento que eles produzem. É isso e ponto. Não se discute mais. E quando surge alguma questão pelo fundamento da afirmação dogmática – se é que ela surge! –, então logo vem o argumento de autoridade: mas é fulano de tal, da universidade tal, que diz isso. E se ele diz, é porque é. Dogmática!
Há cinco dias sem abrir um manual de direito ou um curso de direito tal vejo o quão difícil é se livrar da dogmática. Porque apesar dela fazer nos passar por ridículo, apesar dela assegurar a nossa douta ignorância e apesar também da dogmática justificar a nossa arrogância intelectual, nós não podemos simplesmente parar de consumi-la. Se a gente pára com ela, a gente fica excluído do nosso grupo de amigos juristas. Nossos amigos dogmáticos começam a dizer que somos teóricos, que não sabemos resolver os problemas da prática e que não entendem mais o que estamos falando. Ficamos incompreendidos. E então acabamos recaindo na dogmática.
Se a dogmática jurídica for um vício do pensamento simplista criado pelos glosadores do direito romano, então se trata de uma questão difícil. Pois não basta simplesmente parar com ela. Temos que apreender a conviver com ela, sem se deixar dogmatizar por ela. Porque ano que vem reiniciam as aulas e já tem mais um monte de dogmática esperando para ser reproduzida. Mas não me venham mais com argumento de autoridade.
Depoimento de 6 de dezembro de 2009.
Rafael Lazzarotto Simioni – Dogmático Anônimo